Meu filho

Ao contrário do que diz o título, eu não tenho filhos, não sou pai.
Durante muitos anos da minha vida, face a muitos problemas da minha vida, como separação dos meus pais, desentendimentos famíliares, bullying na escola ( naquela época não tinha nome), muitas coisas que me geraram sentimento de ter muito pouco valor, para a minha fragmentada família, para o mundo.
Tenho terríveis problemas para me relacionar, de qualquer forma, com qualquer um.
Minha vida profissional é um fiasco, tenho formação, mas nunca consegui me desenvolver, só arrumei empregos medianos, sem muita perspectiva, o único melhor que consegui em uma multinacional, tive que sair, pois não efetivam estagiários.
Meu emprego é um lixo, eu estou cansado, eu fico por quê de alguma forma tenho utilidade, não me mandaram embora nunca, mas está muitíssimo aquém de algo que alguém consideraria como bom, ou mediano.
Para o que o trabalho exige, bastaria ser alfabetizado, ou nem isso, como alguns colegas semi-analfabetos que tenho.
Já sofri assédio moral no serviço e hoje me culpo por não ter voado no pescoço do cretino, eu dava conta, tenho certeza, com minhas mãos, e não precisava de ajuda nenhuma.
Eu joguei a toalha e por muitos anos apenas me entreguei à vida, parei de estudar, perdi o interesse, pois não adiantava mesmo, parei de me cuidar, comia muito.
A única coisa que queria era ficar velho e poder me aposentar, nunca mais ver a cara de ninguém do serviço.
Moro com minha mãe, meu pai já é falecido, colo quase todas as pessoas da minha família, com raras excessões.
Meu pai nunca ligou para droga nenhuma, não tinha responsabilidade, minha mãe é muito firme e me criou sozinha,mas também era muito revoltada.
Eu tive problemas de saúde, por conta de excessos de comida, agora melhorei.
Eu nunca quiz ter filhos ou família, namorada só tive uma, que foi muito conturbado, nunca mais tive ninguém,mas por que sou inepto, não sei nem onde procurar ou o que falar.
Apareceram mulheres que dispensei, pois sabendo quem são, melhor ficar sozinho mesmo, de problemático já basta eu.
Sempre me senti um alienado, não me encaixo em nada, na sociedade, sou muito diferente, ninguém vai me compreender.
Me sinto um erro ambulante, odeio o que vejo no espelho, já pensei em dar um fim na minha vida, mesmo quando era criança, mas estou aqui, até hoje, há 43 anos nesse mundo que me odeia.
Como tenho péssimas habilidades sociais, me apeguei a coisas materiais e não pessoas, que eu desprezava na maioria das vezes
Eu nunca quiz ter família e filhos, não consigo me relacionar e não queria ter filhos por que não tenho estrutura emocional, nem preciso dizer por quê, também não tenho estrutura financeira, haja visto meu fracasso profissional.
Era algo que tinha riscado da minha cabeça, de uns meses para cá me sinto horrivelmente só, sinto que minha vida é patética e vazia, as coisas que gostava já não me satisfazem.
Gostaria de ter uma mulher, sinto-me sozinho, incompleto, como se ninguém nunca tivesse me amado, eu também nunca compartilhei esse sentimento, logicamente eu amo minha mãe, mas isso é diferente, somos oriundos de uma cultura estrangeira, que veio ao Brasil buscando refúgio da guerra e demonstrar sentimentos, não é o forte.
Sou cristão, apesar de tudo, tem coisas que não compreendo e tenho dificuldade em aceitar algumas verdades da religião, mas tento guardar os ensinamentos, sem ser fanático ou alienado.
Sou contra aborto, mas não por ser cristão, para mim é pior assassinato, por um simples motivo, que não precisa ser cristão para acreditar, basta pensar, pois mata-se uma criança, um bebê que depende dos cuidados e do amor dos pais e ao invés disso, é esquartejado vivo dentro do útero materno, sim, é esse o procedimento, pode pesquisar quem não acredita.
Tem método anticoncepcional, tem camisinha, se não quer, que doe a criança, ou em último caso,não faça sexo, crianças não surgem do nada, nem pedem para vir ao mundo.
Mas enfim, outro dia ouvi umas pessoas no serviço falando sobre os parentes delas, sobre uma mulher que engravidou solteira e não sabia se o pai ia assumir, a outra pessoa falou, “então tira”.
Fiquei pensando como aquilo foi um gatilho para mim, colo é fácil dar cabo da vida de outrem, como fazem isso com a maior naturalidade, como quem arranca uma erva daninha do jardim, ou mata uma mosca.
Se os pais dela pensassem assim, ela nem tinha nascido.
Eu nunca querendo ter filhos, estaria eu privando meus filhos de vir ao mundo? Talvez não, mas jamais daria cabo deles, é meu filho,nunca faria isso, eu fico abalado por dentro só de pensar nisso, como, nunca é meu filho (ou filha) ali, pequenininho, quietinho, nem pode chorar ainda, como fazem isso?
Se meus pais tivessem cometido aborto, eu ficaria estarrecido, como? Meu irmão, minha irmã? Podia ser eu.
Se eu pudesse falar com um filho, ou uma filha minha, que eu nunca tive, até hoje e eu não sei se terei, se é que vai haver tempo, eu diria: Meu filhinho, minha filhinha, me perdoa, perdoa o papai por não ter trazido você ao mundo, não consegui, não deu certo, não fui capaz, mas não por que eu não amaria você, pelo contrário você ia ser a criança mais amada desse mundo, por você eu moveria o mundo, sozinho. Por você eu faria tudo, eu ia te honrar todos os dias da minha vida, se você não veio, foi por que não consegui,não foi de propósito, não fui capaz, mas nunca, nunca, nós, eu e sua mãe, daríamos fim na sua vida, antes de você chegar, nunca impediriamos você de vir ao mundo, para os meus braços, nossos braços. Eu assumiria você nem que fosse sozinho, você merece tudo, eu nunca te faria mal, nunca, nunca mesmo. Nunca daria cabo da sua vida, nunca deixaria “tirarem” você. Tirarem você de mim, é meu filho, minha filhinha, como? Nunca. Minha esposa também, nunca me juntaria a uma mulher que não tivesse o mínimo de consideração por uma criança, ainda mais a própria filha ou filho. Se você não vier, é porque não deu certo, por motivos fora do meu controle, mas eu, jamais lhe faria mal, se você estivesse a caminho, nós íamos cuidar de você com todo o amor desse mundo, falo nós, mas se não for possível, pelo menos eu, nunca te rejeitaria. De jeito nenhum.